sábado, novembro 15, 2014

Solano Portela

Propina ou extorsão?

Há algo que chama a atenção nas prisões realizadas nos últimos dias. Refiro-me à questão do assalto aos cofres da Petrobrás, e, por extensão, ao seu e ao meu bolso – como pagadores de impostos. É o grande número de dirigentes de empresas que foram levados pela polícia Federal (20), contra APENAS UM executivo da petrolífera! Uma coisa que não queremos, agora, é o governo e sua estatal do coração aparecerem como vítimas inocentes de tubarões predadores que conseguiram corromper os seus desavisados e surpresos executivos. Esses, todos sabem, são na realidade fantoches políticos colocados para servir a fins próprios e às quadrilhas partidárias que os geraram, à custa da gestão empresarial competente e eficaz que deveriam realizar. É verdade que outros (2, 3?) já se encontram sob investigação e um deles já vem entoando a maviosa canção da delação, que arrepia a tantos envolvidos. Mas são poucos, comparados com a súcia de empresários arrebanhada nesta última empreitada policial.

Os noticiários falam que a operação, agora, tem o seu foco nos corruptores. É preciso cuidado na aceitação tácita do termo, pois ele já atribui um papel passivo aos dirigentes da estatal, que teriam aquiescido sob pressão. Os “corrompidos” terminaram “forçados” a aceitar algo para facilitar a vida e aumentar o lucro dos “corruptores”. Será?

É óbvio que a corrução é um mal que precisa ser erradicado, ou pelo menos combatido e reprimido em uma sociedade que deseja se pautar pelo empreendedorismo ou por universais princípios de justiça. Corrução e desvio de dinheiro público subtraem exatamente dos carentes, encarecem as obras, incrementam os impostos e prejudicam a vida de todos os cidadãos. É preciso dar um basta e Deus está possibilitando que alguns se conscientizem disso!

Por outro lado, creio que é necessário fazer uma distinção entre propina e extorsão. E isso não se aplica somente a empresários. Pessoas ou dirigentes de instituições nunca deveriam PAGAR algo a alguém para obter uma vantagem à qual não têm direito. Quando se faz isso é uma propina, um valor indevido, uma quebra clara da lei, muitas vezes para permitir que outra lei seja quebrada. Quase idêntico à PROPINA é o SUBORNO e ambos são condenáveis. O suborno pode ser alguém “comprando” as autoridades (para não ter o peso do direito que adviria delas); ou um pagamento partindo das próprias autoridades, por exemplo, para que alguém não revele alguma verdade que as prejudicará – como no caso das autoridades que subornaram os soldados para que não dissessem a verdade sobre a ressurreição de Jesus (Mateus 28.12).

Extorsão, por outro lado, é a exigência de um pagamento (que genérica e confusamente é também chamada de propina) por uma pessoa que detém autoridade, para conceder algo que você ou uma empresa têm direito de receber, ou realizar. Pode ser um serviço, um atendimento, um documento, mas que simplesmente não sairá a não ser que o extorquido concorde em ter um prejuízo adicional e pague o resgate do seu direito. A extorsão, assim praticada por um agente ou servidor público, não tem diferença daquele resgate exigido por um bandido, quando sequestra um parente de alguém. A realidade de ser extorquido faz parte da experiência de inúmeros brasileiros. Por exemplo, empresas que importam containers com perecíveis e no processo de liberação são “informadas” que o processo vai demorar 30 dias, a não ser que uma taxa de “agilização” seja paga a alguma “autoridade” que tem poder de entrave. João Batista avisou aos policiais, sempre detentores de grande autoridade na interface última com os cidadãos, que não exorbitassem seu ofício e não utilizassem de sua posição para extorquir (Lucas 3.14: “A ninguém maltrateis, não deis denúncia falsa e contentai-vos com o vosso soldo”).

Pelas notícias e modus operandi revelados pelos delatores do propinoduto da Petrobrás, tenho a impressão de que a extorsão era a norma. A “taxa de pedágio” para que arquitetos planejassem, construtoras construíssem, engenheiros reformassem, fabricantes e  comerciantes fornecessem, era a norma e não a exceção. A extorsão veio e se instalou como fonte de dinheiro fácil (e extremamente abundante) para os aparelhados e aparelhadores de um estado moribundo que está moralmente falido, ainda que se mantenha até economicamente afluente e dinâmico, em muitos sentidos. Se alguém foi atrás do que não tinha direito, que seja identificado e punido, incluindo aqui também os dirigentes de empresas citados acima. Mas, que tal, como sociedade, exigir que o foco se mantenha naqueles que subvertem o direito e praticam a extorsão?


O que testemunhamos atualmente com esses casos de corrução e amoralidade no Brasil é um esquecimento de que existe um Deus justo que vê todas as coisas. O profeta Ezequiel (22.12) já denunciava: “... exploraste o teu próximo com extorsão; mas de mim te esqueceste, diz o SENHOR”. Que Deus nos livre da propina, e que a limpa atual seja ampliada a outros setores, livrando os brasileiros dessa praga da extorsão.

Solano Portela

Solano Portela

Postado por Solano Portela.

Sobre os autores:

Dr. Augustus Nicodemus (@augustuslopes) é atualmentepastor da Primeira Igreja Presbiteriana de Goiânia, vice-presidente do Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana doBrasil e presidente da Junta de Educação Teológica da IPB.

O Prof. Solano Portela prega e ensina na Igreja Presbiteriana de Santo Amaro, onde tem uma classe dominical, que aborda as doutrinas contidas na Confissão de Fé de Westminster.

O Dr. Mauro Meister (@mfmeister) iniciou a plantação daIgreja Presbiteriana da Barra Funda.

4 comentários

comentários
16/11/14 05:35 delete

Pastor, acho a tese muito boa, até porque como cidadãos cotidianamente nos deparamos com extorsão muito mais frequentemente do que tentativas de suborno. Porém neste caso, vê-se claramente que a extorsão era paga elgremente, já que se tornou negócio lucrativo tanto para o agente público como para os empreiteiros, que valendo-se do pagamento, cobravam os preços que queriam, e até separam um "por fora particular" do "por fora geral". Aqui houve uma locupletação generalizada, onde num dado momento já não se sabe mais onde acaba a extorsão e onde começa o suborno. E não podemos esquecer que não empresas pedestres, e sim as maiores corporações do ramo no Brasil. Essa gente certamente saberia se defender se realmente quisesse fazê-lo. Muitas das empresas cujos executivos foram presos eram frequentadores das altas rodas do poder e poderiam ter externado as suas queixas e desconfortos, ou usado as medidas judiciais cabíveis.

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16/11/14 23:08 delete

Caro Reginaldo: Perfeito. É por isso que escrevi: " Se alguém foi atrás do que não tinha direito, que seja identificado e punido, incluindo aqui também os dirigentes de empresas citados acima". No entanto, temo que o foco possa ser só colocado nos dirigentes de empresas e os agentes corruptos sejam escamoteados ou inocentados. Daí ser necessário uma visão clara da diferença entre propina e extorsão, com um exame profundo do que ocorreu. Além disso, extorsão é prática comum por agentes públicos, ou pessoas em posições de autoridades em vários segmentos da sociedade brasileira, como em cartórios, DETRANS, etc. Isso tem que parar! Abs. Solano

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Jaime Alves.
AUTOR
17/11/14 15:21 delete

"Com perdão do infeliz trocadilho, seria preciso que se page uma boa quantia em propina para que possa extorquir a influência deturpada que vem deteriorando a consciência coletiva nacional"

**************

Canção do exílio.

Minha terra tem palmeiras,
onde canta o sabiá;
as aves, que aqui gorjeiam,
não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,
nossas várzeas têm mais flores,
nossos bosques têm mais vida,
nossa vida mais amores....
******

...Vivemos uma ditadura abstrata
que nos envergonha pelo nosso passado
e deturpa o nosso presente
compromete o nosso futuro.

Que segrega os nossos valores
adultera a nossa moral
vilipendia os bons costume
nos ludibriando descaradamente.

Perdeu-se o bom senso
e nós assim tão passivamente
de maneira estupida e insensatamente
omitimo-nos contumazmente.

Poderia ser tão diferente
se a gente
acreditasse um pouco mais na gente
exigíssemos um pouco mais da gente
não aceitássemos comodamente
a tudo isto que é feito com a gente
e a gente...

Nós?!...

Somos apenas gente
que virou massa de manobra
pobre povo maleável
que esqueceu-se de viver
de uma forma proativa.

Minha terra tem palmeiras
onde canta o sabia
e os heróis que aqui peleiam
não labutam como os que labutavam lá
e a esperança de vitória
de ver mudar a nossa história
vi morrer com os nossos heróis
que contaram a sua história,

pois jamais imaginariam
ao nível que desceria
aqueles que os substituíram
hoje gananciosamente nos ludibriam.

Vou voltar para o passado
abstrair-me com Gonçalves dias,
e na canção do meu exílio
me sentir menos exilado
pois minha terra tem palmeiras
onde canta o sabiá.

Suas historias reviver
e acreditar que já tivemos gente
amava esta nação
vou tentar ser Gonsalves dias
para a minha geração
e fazer dos meus poemas
minha triste desilusão.

******
Não permita Deus que eu morra,
sem que eu volte para lá;
sem que desfrute os primores
que não encontro por cá;
sem qu'inda aviste as palmeiras
onde canta o sabiá.

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Unknown
AUTOR
8/12/14 17:17 delete

Caro Solano,

Creio que a lei é dura, mas é a lei. E seu peso deve ser sobre todos, e não apenas sobre alguns que consideremos serem "piores".

Ou se quer que todos os crimes sejam investigados e punidos, ou se quer que a justiça refulja apenas sobre um partido político demonizado. Creio que nos irmanamos na primeira opção.

Como nenhuma empresa tem o direito de firmar cartéis para fraudar licitações, não vejo como afastar a caracterização de crime por parte das empresas que participaram do lucrativo esquema. E dizer que a corrupção reside só na política, e não entre os para isso chamados "empreendedores", não me parece consentâneo com a realidade.

Creio oportuno lembrar que a corrupção não foi inventada agora e não é monopólio de um partido político. O foco deve estar onde estiverem os crimes, e não numa única direção.

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